quinta-feira, 26 de julho de 2012

Noite


Povoado Gado Bravo, Xique-Xique, 21 de julho de 2012


A noite se encheu de estrelas. Cintilam no balanço do Rio São Francisco a poucos metros dos meus pés que, descalços, tocam na terra, cá sentada em frente à casa de Tozinha estou. Uma lanterna ilumina minhas letras perdidas em caderno sem linhas. O Rio sussurra estalos, grilos cantam afinados a fazer sinfonia de rio. Do outro lado ouve-se o agito da noite de sábado de Xique-Xique, a campanha política que não cessa com suas músicas repetitivas. O vento faz dançar meu cabelo a se empoleirar nos meus ombros. Fecho os olhos e dou-me conta que é paz que habita dentro e fora de mim.
Cá debaixo das estrelas na casa reuniram-se para assistir novela das 9h, vingança! Não há energia para luz, mas a placa de energia solar garante o funcionamento da televisão em duas casas onde juntam-se os habitantes. “É distração para nós” – dizem, e não nego. No dia de hoje uma tal de Nina e uma Carminha se encontram na tela. Eu preferi me encontrar com o Rio, cá fora onde estou.

Olho para o lado e vejo a fogueira que vai se apagando, pouco a pouco, em seu ritmo de amarelo, vermelho e azul. Estive agora a pouco a me aquecer por lá, a conversar com Dona Valdete, ouvir suas histórias de saudade dos filhos. Vive com eles, faz um dia que está longe deles e já encharca os olhos de saudade a falar. “É porque sou mãe”, disse. Lembrei da minha mãe, deu saudade, logo volto para dividir o chimarrão, jogar conversa, costurar ideias.
Agora estou em paz com este tempo que tenho só e simplesmente para apreciar o Rio, as estrelas e a noite. No escuro, sorrio. Meu contentamento em estar aqui tem o tamanho das distâncias do meu andar.

Ouço passos, e vejo um cavalo a ir beber água no Rio. Sua silhueta desenhada no reflexo da água que pulsa encanta meus olhos. Já imagino bonecos, teatro de sombras, e percebo que estou a criar. Uma cena toda brota de meu olhar o animal que, só, vive.
Neste criar meu vestido baila na dança do vento, meu cabelo segue a pincelar meus ombros, um frio leve me arrepia os pêlos dos braços que tornam a apontar as estrelas. Tenho anseio de agradecer, de rezar, mas não sei como. Ansear rezar é reza? Contentamento é sintonia com isto a que chamam Universo? Sozinha e em silêncio mergulho em uma graça sem religião, sem cobranças, sem instituições de fé. Este lugar aberto, estas estrelas e este rio tornam-se o meu templo, e eu de cá repouso a caneta sobre o caderno, desligo a lanterna e opto pelo silêncio profundo com riso nos lábios.

Um comentário:

Unknown disse...

Querida...
Que bela foto, que belo pensar...
Encontrar-se consigo mesma e sentir que esta no lugar em que gostaria de estar neste momento.Sentir paz no coração...Parabéns.Bjos, mãe.