quarta-feira, 29 de agosto de 2012

Dona Ana


Ela passa os dias em sua cama. Pouco dorme. Vive sentada ali, na cama à beira da janela, quase todo tempo. Ora fia linha do capucho de algodão ora prega retalhos que ganha em sua peleja por criar pequenos tapetes.

Dona Ana “vive passanu o tempo” dessa maneira.


“Gostava muito de coisa doce. Quando pensa que não... esse diabete me pegou”.

Dia após dia, Dona Ana toma remédios. Toma para fazer de suas caixas sacolinhas enganchadas na parede azul em frente e perto da cama. Nelas, alças feitas com tiras de pano. Nelas,  caneta, caixa menor de remédios, capuchos de algodão e pequeno frasco com óleo de amêndoas.

Com as caixas de remédios a tempos tomados Dona Ana faz sacolinhas.

Com sua lida, passa o tempo e espera o dia de dormir um pouco mais.

“Num gosto mais de uví muzga não. Corqué festa de muzga me dá de chorar. Me lembra a alegria de meus fio que já morreru. Inté na televisão, condi ela ta aí ligada, que Gení tá assistinu e parece aqueles cantor tocano muzga e fazenu cantoria me dá de chorar cá de que eu lembro da alegria de meus fio.”

Dos retalhos que sobram de sua labuta, Dona Ana faz “chuchas” que dão cores novas à parede azul em frente e perto da cama. Vez em quando, uma ou outra afaga o cabelo crescido da velha senhora.

Aqui, no quarto de Dona Ana, tudo conta do passar de seus dias.

“Inté agora num passô o carro da escola. Condi passa agente vê de longe. Se vocês vê as greada dos minino... parece é um bucado de periquito tudo cunversanu”.



Dona Ana cobre com um forro o fundo da costura de retalhos feitos tapetes. Diz que é feio; que jeito é esconder mesmo. Escondido pelo forro, porém, o pés-ponto de linha fiada em fuso pelas mãos ainda ativas de Don’Ana conta do passar dos dias dessa velha senhora  – mulher a viver ali, quase todo tempo, sentada em sua cama.


“Tem hora que eu fico labutanu pra infiá linha no fundo da agúia. Chega tem hora que deito, fico com raiva de querer fazê as coisa sem pudê.”

Dona Ana não gosta de se ver desocupada. Tampouco tem pressa na feitura de seus trens. Pouco lhe serve o que está feito ou o que, a pouco, fora terminado.  Viram presentes. Passa adiante. Afinal, se está pronto já virou tempo passado e o que quer Don’Ana é passar  pouco mais o tempo.





Vigi, como gostei de passar tempos com Dona Ana!

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