sexta-feira, 10 de agosto de 2012

Dona Euzita

Ela pediu desculpas pela sujeira da saia e por estar sem dentadura. Convidou a entrar. Licença, Dona Euzita! Sua sala azul era toda encantamento: santos por todos os lados acompanhados de bonecas. Ih, tenho tantas...! Tem a que ri quando mexe na barriga, a que fecha os olhinhos, aquela, esta. Por todos os lados. Elas ficam aí quando faço minha lapinha, disse, apontando o altar.


Dona Euzita mostrou-nos seu jardim, plantas cultivadas, alinhadas, a fazer belezas. As flores, os frutos, os temperos. Depois voltamos para sala povoada de santos, onde ela sentou-se na cadeira de balanço a falar da vida como quem tricota mantas. Tecia sua leveza em palavras bem postas a falar de medo de tempestades e da festa que oferece, todo ano, no mês de janeiro. Dá comida para todos que vem. E isso sai caro, Dona Euzita? Ah, mas eu faço com tanta satisfação! Dia inteiro de reza, todo ele, dia 20 de janeiro, dia de padroeiro, de Reis, de oração.


Dona Euzita fala de santos como de parentes próximos. Tem medo de Cosme e Damião a fazer travessuras com as galinhas da vizinha. Não conhece a história de Índia Jurema, mas a têm junto a outras santas católicas.
A senhora de pele enrugada falou da chuva, e do medo que tem de tempestades. Não se pode nem falar em trovão – sussurra que até a palavra dita atrai bicho ruim. Mas ao falar de chuvas bravas o mesmo tanto de medo é um tanto de saudade que carrega na lembrança. Porque justamente nestes momentos de fúria dos céus era quando a sua mãe juntava todos os filhos – juntos, bem juntinhos – por debaixo do cobertor. Não se podia nem falar nada. Em dia de chuva andar pela casa com trovão lá fora, nem pensar! Bicho ruim.
(Oh, saudade de mãe a abraçar todos por debaixo do cobertor.)

A fé de Dona Euzita transbordava. A paz de sua casa de paredes azuis encharcou-me, saí de lá em um silêncio tranquilo. Silêncio de fim de tempestades, a juntar e assustar a gente por debaixo de cobertores agora invisíveis.

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