Ela pediu desculpas pela sujeira da saia e por estar sem
dentadura. Convidou a entrar. Licença, Dona Euzita! Sua sala azul era toda
encantamento: santos por todos os lados acompanhados de bonecas. Ih, tenho
tantas...! Tem a que ri quando mexe na barriga, a que fecha os olhinhos,
aquela, esta. Por todos os lados. Elas ficam aí quando faço minha lapinha,
disse, apontando o altar.
Dona Euzita mostrou-nos seu jardim, plantas cultivadas,
alinhadas, a fazer belezas. As flores, os frutos, os temperos. Depois voltamos
para sala povoada de santos, onde ela sentou-se na cadeira de balanço a falar
da vida como quem tricota mantas. Tecia sua leveza em palavras bem postas a
falar de medo de tempestades e da festa que oferece, todo ano, no mês de
janeiro. Dá comida para todos que vem. E isso sai caro, Dona Euzita? Ah, mas eu
faço com tanta satisfação! Dia inteiro de reza, todo ele, dia 20 de janeiro,
dia de padroeiro, de Reis, de oração.
Dona Euzita fala de santos como de parentes próximos. Tem
medo de Cosme e Damião a fazer travessuras com as galinhas da vizinha. Não
conhece a história de Índia Jurema, mas a têm junto a outras santas católicas.
A senhora de pele enrugada falou da chuva, e do medo que tem
de tempestades. Não se pode nem falar em trovão – sussurra que até a palavra
dita atrai bicho ruim. Mas ao falar de chuvas bravas o mesmo tanto de medo é um
tanto de saudade que carrega na lembrança. Porque justamente nestes momentos de
fúria dos céus era quando a sua mãe juntava todos os filhos – juntos, bem
juntinhos – por debaixo do cobertor. Não se podia nem falar nada. Em dia de
chuva andar pela casa com trovão lá fora, nem pensar! Bicho ruim.
(Oh, saudade de mãe a abraçar todos por debaixo do
cobertor.)
A fé de Dona Euzita transbordava. A paz de sua casa de
paredes azuis encharcou-me, saí de lá em um silêncio tranquilo. Silêncio de fim
de tempestades, a juntar e assustar a gente por debaixo de cobertores agora invisíveis.
Nenhum comentário:
Postar um comentário